terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Sobre a “besteira” que é o “fiu fiu”


Você já ouviu um “fiu fiu” de um homem? Eu já. Mas vamos começar a história de outro jeito. Você já participou de um “fiu fiu” para um homem? Eu já...


Ontem, ao sair do restaurante no horário de almoço, passei por dois meninos que tinham mais ou menos 12 anos de idade. Ouvi um “fiu fiu” e nem me atentei a quem havia feito o som, até que os observei rindo sem graça; completamente desconfortáveis com a “brincadeira”. Pensei em deixá-los ainda mais sem jeito e fazer alguma repreensão. Mas achei que pegaria pesado e fui embora – afinal, eram apenas duas crianças.

Duas crianças. Que irão crescer e se tornar adultos. E que repetirão o comportamento aprendido com outros homens sobre como agir diante de uma “carne que passa”. Será que eu teria coragem de repreender se a cantada viesse de um adulto? Será que exagerei ao me sentir incomodada com a ação dos meninos? Pensei que não, não repreenderia um adulto; e que sim, eu estava sendo radical com as crianças. Mas em seguida, lembrei de tantas vezes em que desci do ônibus e que, literalmente, corri meio quarteirão com as chaves de casa nas mãos, com medo de andar sozinha pela rua, mesmo que fosse 22h. Lembrei também de meu corpo respondendo “a um ataque iminente” quando eu achava que tinha visto alguém na rua: eu “gelava”, o coração disparava, o pensamento passava para o estado de alerta. Mas afinal, isso tudo era bobagem, era só uma invenção da minha cabeça.

Bobagem.

Ainda refletindo sobre isso, me veio à mente uma vez em que, há muitos anos, passeava de carro com uma amiga quando a vi buzinar para um rapaz que passava por nós pela rua. Não contente com o som do veículo, ela fez “fiu fiu”. Fiquei sem graça, pedi a ela que parasse com aquilo porque eu tinha medo de ele gostar da brincadeira (ideia machista embutida) e de querer corresponder à investida. O que aconteceu, em seguir, foi a mesma “bobagem” que acontece com nós, mulheres: o moço ficou sem jeito, completamente desconfortável. Posso até dizer que sentiu um pouco de medo. Estava sozinho, não em bando. Era noite. E ele passeava pela rua como se pudesse ser livre. “Fiu fiu”. Quanta bobagem!

...

Não, não sou a favor de combater a homofobia com heterofobia. Muito mesmo de lutar contra o racismo com “racismo reverso” (muitas aspas). Logo, ir contra o machismo com “machismo feminino” também não é certo. Mas depois de vivenciar o “chamado” dos meninos; de assistir a uma reportagem na qual um homem dizia que se a mulher está curtindo o carnaval e é assediada, é porque ela deu margem para isso; e de recordar da fala de duas conhecidas (supostamente estudadas) de que “olha lá, com aquele vestido ela está pedindo para ser estuprada”, me veio o insight desse “fiu fiu” ao homem. Por que será que ele pareceu tão mal diante de uma “bobagem”?

Por favor, não quero com esse relato incentivar ações como essas ou como quaisquer outras que sejam invasivas, preconceituosas, autoritárias, reificadas ou estereotipadas. Para o bom combate, as armas não podem ser as mesmas que as usadas pelos que serão combatidos. Não saiam por ai dizendo “fiu fiu” para ver a reação dos homens – o caso foi uma ilustração isolada, de uma “brincadeira” (machismo), assim como a dos meninos. Até porque a amiga citada, hoje combate esse tipo de ação (graças!).

...

Espero que as crianças que encontrei continuem a ficar sem jeito. Se esta é a forma que elas usam para demonstrar que o comportamento de “mexer com uma mulher” na rua não é certo, que os meninos fiquem envergonhados sempre. Até que possam entender que não! não é uma brincadeira, muito menos uma diversão. Que eles consigam racionalizar em algum momento o que a vermelhidão de seus rostos representa. E que, com isso, deixem de seguir os (des) ensinamentos de alguns homens (e de algumas mulheres!).

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Bijuteria: uma sentença de vida

Foto retirada do site NRAviamentos

Não sei se aquelas bijuterias que eu fazia quando pequena eram uma sentença de futuro, um feitiço da vida ou apenas o início do meu destino final! Sei que me arrependo amargamente por ter pedido à minha mãe para comprar umas miçangas na Galeria do Ouvidor (fato). Tê-las - me parece hoje - foi como abrir uma Caixa de Pandora. Eu estava predestinada! Biblioteca Pública, Maleta, Mercado Central, Santa Teresa, A Obra... histórias seriam vivenciadas em cada um desses locais. 

- Por que não pedi um Lego do Pátio Savassi? - pergunto sempre que procuro emprego!

Depois de receber os pacotinhos com pedrinhas coloridas, cordões, fechos, bases e cola, não teve mais jeito. Foi como se o sol do Teletubbies tivesse se aberto para mim. Seria Comunicação Social, Psicologia, Letras, Filosofia ou qualquer outro curso com remuneração "combatível com o mercado" e de difícil explicação para a família.

- Relações Públicas? É tipo Jornalismo? Ou é aquele povo que faz festa? 

- Letras? Professor não ganha dinheiro! Mas tem duas férias no ano!

- Vai trabalhar com o quê fazendo Filosofia? Vai acabar bebendo demais!

- Psicologia? Você vai é ficar doida!

Mas não teve jeito! Todo teste vocacional era Humanas como alvo certo! E até hoje, depois de formada, para onde corro, estou com as letras, com os pensamentos filosóficos e com alguma arte manual em processo de fabricação. Mas sempre, sempre, sempre... estou sem dinheiro! Humanas. Como um grito de guerra (oh luta!), de socorro (o freela não caiu) ou uma declaração de amor ("penso, logo existo" <3 font="">

- Exatas: porque te apartastes de mim? 

E toda vez que vem o  arrependimento de não ter feito Kumon para melhorar a Matemática, o questionamento de por quê ter pedido a compra de materiais para as bijuterias, e a vontade de construir pontes ao invés de relacionamentos, pergunto-me: pra quê simplificar a vida com números, fatos irrefutáveis e com intervenções milimetricamente calculadas? 

A resposta vem de uma canção que ouço com frequência: "eu gosto é do estrago"! Sou pobre sim, reclamona, questionadora e mestre pela luta do reconhecimento das "Humanas" como um bom status social, com uma boa remuneração financeira, e pela glorificação familiar.

- Você fez Artes Plásticas? UAU!

- Meu filho é formado em Geografia!  - peito estufado e lágrimas de orgulho.

- Salário para um Antropólogo qualificado é de R$ 7 mil reais. Mas não se preocupe, esse é só pelo período de experiência.

No fundo, no fundo, eu sou feliz com a "Humanas" que há dentro de mim. Mas vamos melhorar esse olhar, neh minha gente?! Reconhecimento verbal não é suficiente! 

terça-feira, 5 de julho de 2011

Conjugação - Affonso Romano de Sant´anna

Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Florbela Espanca

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Os Estatutos do Homem - Thiago de Mello

Conheci Thiago de Mello por meio de um professor muito querido que não vejo há algum tempo. E hoje o dia me lembrou este poema. Sei que ando postando textos longos aqui, mas vale a pena ler até o final... é lindo!

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

domingo, 9 de agosto de 2009

Taxista carente

Sexta à noite, ao entrar em um táxi após uma saída não muito feliz, encontro um taxista carente de atenção. Era tudo o que eu precisava para fechar meu dia bem. Entrei no carro, dei o endereço e fiquei calada. Não queria conversar sobre o tempo, trânsito, mercado de transportes e nem gripe suína. Mas eis que o senhor fulano resolve falar...

_ O que que tava acontecendo ai?
_ Um encontro de estudantes de História.
_ Ah, daqueles que quem sabe mais fala mais que os outros?
Pensei. Entendi.

_ Um seminário, congresso...é isso que o senhor quer dizer?
_ Isso, que tem palestras.
_ É isso sim.

E voltei à minha caverna esperando sossego. Mas ele insistiu.

_ Você faz História?

Pensei novamente. Ainda bem que a gente pensa, pensa muito...

_ Não, estudo Comunicação.
_ Comunicação é aquele trem de jornalismo?

Céus...vamos lá para a parte mais difícil....

_ Jornalismo é uma das áreas da comunicação. São basicamente três: Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Eu faço Relações Públicas.
_ E o que é esse trem de Relações Públicas?

Fiquei apavorada. Tento há quase três anos explicar para meus pais o que faz um relações públicas e eles ainda não entenderam bem. Agora eu teria que explicar em alguns minutos àquela alma falante antes que ela fizesse alguma terrível alusão a minha futura profissão...

_ Nós estudamos gestão de relacionamentos (o que eu estou falando...?). A gente percebe quem são os públicos para uma ação de comunicação e trabalha de maneira específica. Posso trabalhar em empresas, hospitais, escolas, tv...e sempre conto com o trabalho das outras áreas.
_ Ah, entendi.

Duvido, não expliquei nada para ele...

_ E vocês estudam geografia, história..?
_ Sim, basicamente essas duas e português. O curso é da área de humanas.
_ Ah, então é fácil. Num tem física, química, matemática...

Claro que é fácil! Entender as pessoas, dirigir-se a elas é MUITO FÁCIL. Difícil é fazer ponte, porque ela fica dando palpite na estrutura, deturpa o projeto...

_ Eu tô perguntando porque eu separei agora. E quando a gente separa, fica meio deprimido, sabe?
_ Aham, sei...
_ Ai falei com minhas filhas que vou fazer faculdade.
_ Ah sim, muito bom! Faça mesmo, ocupar um pouco a cabeça, começar uma nova atividade...
_ Eu tô muito triste.
_ Olha, não fica assim não. Minha mãe quando separou também ficou triste, todos ficamos. Hoje ela está muito bem, estuda Direito...forma no próximo ano.

Chegamos.

_ Quanto deu?
_ R$ 16, 80.

O telefone toca e logo ele desliga, antes de me dar o troco. Segundo o taxista, o papo - lê-se monólogo - estava bom. E após ficar mais uns cinco minutos aconselhando o pobre homem, passando endereços para que ele conseguisse bolsas de estudo e invocando Deus para abençoar a vida, saí do carro pensando no porquê de eu não ter feito psicologia e ainda não ter entrado para alguma igreja...

domingo, 7 de junho de 2009

Aprendizado

Estou aprendendo a enterrar amigos,
coros conhecidos, e começo as lições
de enterrar alguns tipos de esperança.

Ainda hoje
sepultei um braço e um desejo de vingança.
Ontem, fui mais fundo;
sepultei a tíbia esquerda
e apaguei três nomes da lembrança.

Affonso Romano de Sant'anna