Você já ouviu um “fiu fiu” de um homem? Eu
já. Mas vamos começar a história de outro jeito. Você já
participou de um “fiu fiu” para um homem? Eu já...
Ontem, ao sair do restaurante no horário de
almoço, passei por dois meninos que tinham mais ou menos 12 anos de
idade. Ouvi um “fiu fiu” e nem me atentei a quem havia feito o
som, até que os observei rindo sem graça; completamente
desconfortáveis com a “brincadeira”. Pensei em deixá-los
ainda mais sem jeito e fazer alguma repreensão. Mas achei que
pegaria pesado e fui embora – afinal, eram apenas duas crianças.
Duas crianças. Que irão crescer e se
tornar adultos. E que repetirão o comportamento aprendido com outros
homens sobre como agir diante de uma “carne que passa”. Será
que eu teria coragem de repreender se a cantada viesse de um adulto?
Será que exagerei ao me sentir incomodada com a ação dos meninos?
Pensei que não, não repreenderia um adulto; e que sim, eu estava
sendo radical com as crianças. Mas em seguida, lembrei de tantas
vezes em que desci do ônibus e que, literalmente, corri meio
quarteirão com as chaves de casa nas mãos, com medo de andar
sozinha pela rua, mesmo que fosse 22h. Lembrei também de
meu corpo respondendo “a um ataque iminente” quando eu achava que
tinha visto alguém na rua: eu “gelava”, o coração disparava, o
pensamento passava para o estado de alerta. Mas afinal, isso tudo era
bobagem, era só uma invenção da minha cabeça.
Bobagem.
Ainda refletindo sobre isso, me veio à mente uma
vez em que, há muitos anos, passeava de carro com uma amiga quando a
vi buzinar para um rapaz que passava por nós pela rua. Não contente
com o som do veículo, ela fez “fiu fiu”. Fiquei
sem graça, pedi a ela que parasse com aquilo porque eu tinha medo
de ele gostar da brincadeira (ideia machista embutida) e de
querer corresponder à investida. O que aconteceu, em seguir, foi a
mesma “bobagem” que acontece com nós, mulheres: o moço ficou
sem jeito, completamente desconfortável. Posso até dizer que sentiu
um pouco de medo. Estava sozinho, não em bando. Era noite. E ele
passeava pela rua como se pudesse ser livre. “Fiu fiu”. Quanta
bobagem!
...
Não, não sou a favor de combater a homofobia com
heterofobia. Muito mesmo de lutar contra o racismo com “racismo
reverso” (muitas aspas). Logo, ir contra o machismo com “machismo
feminino” também não é certo. Mas depois de vivenciar o
“chamado” dos meninos; de assistir a uma reportagem na qual um
homem dizia que se a mulher está curtindo o carnaval e é assediada,
é porque ela deu margem para isso; e de recordar da fala de duas
conhecidas (supostamente estudadas) de que “olha lá, com aquele
vestido ela está pedindo para ser estuprada”, me veio o
insight desse “fiu fiu” ao homem. Por que será que ele pareceu
tão mal diante de uma “bobagem”?
Por favor, não quero com esse relato incentivar
ações como essas ou como quaisquer outras que sejam invasivas,
preconceituosas, autoritárias, reificadas ou estereotipadas. Para o
bom combate, as armas não podem ser as mesmas que as usadas pelos
que serão combatidos. Não saiam por ai dizendo “fiu fiu” para
ver a reação dos homens – o caso foi uma ilustração isolada, de
uma “brincadeira” (machismo), assim como a dos meninos. Até
porque a amiga citada, hoje combate esse tipo de ação (graças!).
...
Espero que as crianças que encontrei continuem a
ficar sem jeito. Se esta é a forma que elas usam para demonstrar que
o comportamento de “mexer com uma mulher” na rua não é certo,
que os meninos fiquem envergonhados sempre. Até que possam entender
que não! não é uma brincadeira, muito menos uma diversão.
Que eles consigam racionalizar em algum momento o que a vermelhidão
de seus rostos representa. E que, com isso, deixem de seguir os (des)
ensinamentos de alguns homens (e de algumas mulheres!).