Quem é este homem que eu ainda não conhecia? José Guilherme de Araújo Jorge (1914-1987), poeta cuja obra lírica, por vezes dramática, exala um romantisno moderno de extremo gosto bom. O "Poeta do Povo e da Mocidade" tem voz de mim. E de você?
Escrevo dentro da noite
Estou escrevendo para não gritar. Para não acordar
os que dormem felizes lado a lado,
os que repousam, aconchegados,
os que se encontram e continuam juntos
e não precisam sonhar
porque não dizem adeus...
Estou escrevendo para não gritar. Para enfunar o coração
[ao largo.
E as palavras escorrem salgadas como um córrego de
[águas mortas
num silencioso pranto.
Tão perto, e nem percebes minha insônia. Nem ouves
[a confidência.
que põe nódoas no papel para não ter que acordar-te
e se transmuda em palavras, que são estátuas de sal.
Estou escrevendo para não gritar. Para não ter tempo
[de acompanhar a noite,
para não perceber que estou só, irremediavelmente só,
e que te trago comigo
sem outra alternativa que o pensamento
- cela em que me debato a olhar a lua entre grades.
Estou escrevendo para não gritar. Para não perturbar
[os que se amam
se juntam, e se estreitam, e sussurram na sombra
e passeiam ao luar,
para que as palavras chovam num dilúvio, silenciosamente,
e me alaguem, e me afoguem, e me deixem pela noite a dentro
como um corpo sem vida e sem alma,
a flutuar...